Porto Ferreira “história em instantes”: História da Arte Histórica de Porto Ferreira – Antonio Maria

Instituição religiosa milenar, a Igreja Católica Apostólica Romana abriga em seus templos, espalhados pelo mundo, inúmeras obras artísticas representantes de períodos, estilos ou movimentos da história da arte, que têm a missão de expressar sentimentos, transmitir mensagens e despertar a religiosidade popular. Constituem, de fato, manifestações culturais impregnadas de elementos constitutivos das sociedades que as produziram.

Assim, as artes se tornam, grosso modo, visões de mundo idealizado, passando a exercer uma função social. Neste contexto, a Igreja Católica se tornou a maior incentivadora da produção artística mundial ao longo da história.

No Brasil, país constitucionalmente católico até a Proclamação da República (1889), é raro a existência de cidades com mais de um século de vida, que não se desenvolveram ao redor de uma capela. Na 2ª metade do século XIX, no centro do vilarejo (futuro município de Porto Ferreira) foi erigido uma capela. Em 1886, construiu-se o antigo templo de São Sebastião, no mesmo lugar da pequena igreja, com sua frente virada para a Rua São Sebastião. Posteriormente, no ano de 1952, a velha igreja foi demolida para dar lugar à nova Igreja Matriz de São Sebastião.

Durante a década de 50, a população ferreirense vivia uma onda de otimismo generalizado, decorrente do imenso progresso local, proporcionado pelo pleno emprego, investimentos em infraestrutura e obras públicas, bem como a construção de novos loteamentos, os quais absorviam as famílias recém-chegadas de muitas regiões brasileiras, em busca de uma vida melhor.

A edificação do novo templo de São Sebastião, durante praticamente uma década, mobilizou grande parte da cidade através de campanhas realizadas para angariar fundos e materiais, com o intuito de concluir a portentosa obra arquitetônica, projetada pelo arquiteto Benedito Calixto de Jesus Neto, que, também, arquitetou a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte.

Entretanto, o interior do templo religioso recebeu, em 1962, duas preciosidades da arte sacra, criadas por um renomado pintor italiano: no presbitério situa-se o painel sobre o martírio de São Sebastião, e na capela do Santíssimo, uma pintura representando a imagens do Sagrado Coração de Jesus, Santa Margarida Maria Alacoque e Santa Gertrudes.

O autor e suas obras

Antonio Maria Nardi, pintor e ilustrador, nasceu em Ostellato, Itália, em 1897. Estudou na “Academmia di Belle Arti di Bologna”, formando-se em 1916. Foi combatente durante a 1ª Guerra Mundial. Realizou várias exposições na Itália, entre 1919 e 1935, sendo premiado inúmeras vezes pela qualidade de seus trabalhos. Veio para o Brasil em 1949, onde permaneceu até 1965. Sua estadia na terra tupiniquim foi ocasionada em decorrência de uma importante exposição das suas obras, realizada no Ministério da Educação e Cultura do Rio de Janeiro, cuja visibilidade proporcionou inúmeras encomendas para igrejas do Rio de Janeiro, dando início a uma vasta produção artística religiosa e sacra no Brasil.

De acordo com o museólogo, Frei Róger Brunorio, Antonio Maria Nardi desenvolveu, cronologicamente, as seguintes obras:

“1950 - Rio de Janeiro (RJ) - realiza esculturas, quadros e vitrais da Capela da Casa de Saúde São José, em Macedo Sobrinho; 1953/1957 - Rio de Janeiro (RJ) - faz a decoração total da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Grajaú; 1954 - pinta duas telas para a tarja do arco cruzeiro da igreja conventual Santo Antônio - Largo da Carioca – (RJ); 1956/1964 - Niterói (RJ) - decora e cria os vitrais do Santuário Nacional das Almas e a Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora; 1962 - Rio de Janeiro (RJ) - faz os quadros da Via Crucis na Igreja de Nossa Senhora da Luz, em Ana Néri; 1964 - Rio de Janeiro (RJ) - faz os quadros da Via Crucis da Igreja da Sagrada Família, no Livramento; 1964 - Rio de Janeiro (RJ) - cria os vitrais da Igreja de São Judas Tadeu, no Cosme Velho.”

Segundo o autor do site “Mosaicos do Brasil” a lista, também, inclui:

“[...] decoração do refeitório do Seminário Salesiano de Brasília; a construção de retábulos para a Capela do Colégio Pio XII, em Belo Horizonte e para a Igreja da Faculdade Padre Anchieta em Jundiaí (SP); a produção de vitrais para a Igreja do Coração de Jesus de S. Leopoldo, em Porto Alegre (RS), para a Igreja de São Judas Tadeu no Cosme Velho (RJ), para a Igreja São Sebastião, em Porto Ferreira (SP), para a Igreja de Nossa Senhora Aparecida em Pirajuí (SP), para o Santuário Nacional das Almas e para a Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora em Niterói (RJ), para a Igreja do Santíssimo Sacramento em Cantagalo (RJ), para a Igreja de Santa Maria Madalena, em Nova Friburgo (RJ), para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Vicente de Carvalho (RJ), para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, no Riachuelo (RJ) e para a Capela do Colégio Espírito Santo, em Bagé (RS); de quadros diversos para a Igreja de S. Francisco Xavier, na Tijuca (RJ),  de quadros da Via Crucis para a Igreja da Sagrada Família, no Livramento (RJ), e para a Igreja de Santo Antônio, no largo da Carioca (RJ); da decoração da Igreja de Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado (RJ), da Capela do Seminário de Eugenópolis (MG),  da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Grajaú (RJ); das esculturas, quadros e vitrais para a Capela da Casa de Saúde São José, em Macedo Sobrinho (RJ); e dos vitrais e dos mosaicos para a Igreja Nossa Senhora do Rosário, em Serra Negra, aprazível estância hidromineral de São Paulo.”

Antes de retornar à Itália, Nardi foi condecorado com a “Comenda da Ordem de São Silvestre Papa” - mais elevado título honorífico concedido pelo papa aos artistas que se destacaram no exercício da função, recebendo-a das mãos do Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Câmara.

Segundo Paolo Nardi e Andrea Fausto Nardi, filhos do pintor, “a volta à Italia de A.M.Nardi foi uma decisão tomada, por razões de idade (68 anos) e saúde, pela possibilidade de trabalhos menos fatigantes e foi em abril de 1965, ( tendo ,os filhos todos casado ),alguns já voltado para a Itália).”

Baseado em informações do catálogo “Itaucultural”, em 1986, foi realizada a retrospectiva “Antonio  Maria Nardi: um descobrimento póstumo”, na Galleria d'Arte Ponte Rosso, Milão, e no centenário de seu nascimento, ocorreu a “Fate soavemente scarmigliate: Antonio Maria  Nardi illustratore, 1897-1973, no Museo dell'Illustrazione em Ferrara.”

Antonio Maria Nardi faleceu em Bologna, na Itália, em 1973. A relevância do seu imenso trabalho artístico no Brasil ainda carece de um estudo aprofundado, a ser realizado por especialistas das artes.

Antonio M. Nardi em Porto Ferreira

Os contatos ferreirenses com Antonio Maria Nardi correspondem à segunda metade da década de 50, quando o contrataram para produzir os vitrais da Igreja Matriz de São Sebastião. No mês de julho de 1958, foram entregues os 10 vitrais superiores do templo. Em relação aos vitrais da parte inferior, não foram encontradas referências sobre a sua conclusão, porém, tudo indica que a mesma ocorreu também em 1958.

O jornal impresso “O Ferreirense”, de 4 de fevereiro de 1962, evidenciou o início dos trabalhos da fase de  pintura e decoração, as quais, segundo o jornal, primaram “a beleza de nosso principal templo religioso”. O referido artigo cita a contratação do professor Antonio Nardi para a execução de “um painel de 12 X 10 metros, sete quadros condizentes com a vida de São Sebastião e a decoração da capela do Santíssimo Sacramento, onde “será feita a pintura do Sagrado Coração de Jesus com Santa Gertrudes e Santa Margarida Maria Alacoque”.

Na tentativa de se entender as razões que levaram a tal obra, esclarece-se que Santa Gertrudes, durante o século XIII, na Alemanha, exerceu seus estudos teológicos e a vida monástica, defendendo firmemente a humanidade de Cristo e a Sua presença no ato da comunhão eucarística. Já, Santa Margarida Maria Alacoque viveu durante o século XVII, na região da Borgonha (França), e sofreu uma vida de inúmeras provações, tornando-se uma das principais difusoras da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

O mural que ornamenta o presbitério da Igreja de São Sebastião possui elementos que remetem o observador às obras renascentistas, ao retratar os episódios da vida de São Sebastião: prisão e encarceramento, assistência aos cristãos no cárcere, aclamação de protetor dos cristãos perseguidos, o 1º martírio (central), o recolhimento do enfermo por Santa Irene, 2º martírio e o sepultamento nas catacumbas. O mural foi enriquecido com uma imagem de São Sebastião (1,70m), entalhada em madeira, colocada ao centro, doada pela Sra. Amélia Pirondi e filhos em 1958.

Em suma, constatou-se a extrema relevância do artista plástico Antonio Maria Nardi para a arte sacra brasileira, bem como suas obras em Porto Ferreira.

Assistam a esse vídeo: https://www.facebook.com/377289032426797/videos/317649335692005

* Renan Arnoni – Historiador (Unesp – Franca), Professor, Produtor e Gestor Cultural (SENAC), Analista Comportamental (Especialização) e Empresário.