A ORIGEM DE UMA CULTURA CARNAVALESCA EM PORTO FERREIRA – 3ª Parte

Divulgado em 09/02/2024 - 15:00 por Renan Arnoni*

É um fato histórico consumado: o boi surgiu, cronologicamente, em Artur Nogueira (1928), depois, Limeira (1933) e, por fim, Porto Ferreira (1934). Entretanto, foi inspirado na “Festa de San Fermin” em Pamplona (Espanha), que não ocorre no carnaval, mas em julho. Não existem coincidências. Há fortes indícios de como o processo histórico cultural do boi de um município influenciou outro na mesma região. Podem ser citados, como método histórico comparativo, a cronologia, a curta distância entre os municípios, os elementos constitutivos do boi e, principalmente, o pega do boi.

Segundo Prado (2005), Marc Bloch declarou que “ao considerar as relações e trocas culturais ocorridas entre populações que estavam em constantes relações, seria possível identificar influências e o início desses costumes”.

A item de curiosidade, Toneto, Uvinha e Ricci (2017) citam outras nomenclaturas do boi no Brasil:

Chama-se Bumba Meu Boi ou Bumba Boi no Maranhão; Cavalo Marinho em Pernambuco; Boi Bumbá na Amazônia; Boi Calemba no Rio Grande do Norte; Boi de Roça na Bahia; Bumba de Reis no Espírito Santo; Boi Pintadinho no Rio de Janeiro; Vaquinhas em Minas Gerais; Boi de Mamão em Santa Catarina; Boizinho no Rio Grande do Sul. No Estado de São Paulo, há o Boi de Conchas em Ubatuba, Carreiras de Boi em Porto Ferreira e Boitatá em Iguape.

Há, também, o bloco do boi em Barra Mansa-RJ (1946), criado quando o funcionário de um matadouro adaptou uma cabeça de boi como máscara de carnaval.

Mas, existe uma pergunta central: por que os blocos do boi se popularizaram em Porto Ferreira?

Há, basicamente, dois tipos de agentes sociais envolvidos no carnaval, gerando diferentes perspectivas:


  • 1 - Componentes dos blocos, divididos entre integrantes da bateria, músicos e boizeiros;

  • 2 – Expectadores, que ficam nas calçadas, e os foliões que se envolvem diretamente na brincadeira, indo atrás do boi ou correndo dele, ao som da bateria.

A rua é o cenário/arena do carnaval do boi:


(...) o carnaval ignora toda distinção entre atores e espectadores. Também, ignora o palco mesmo na sua forma embrionária. Pois o palco teria destruído o carnaval (e inversamente, a destruição do palco teria destruído o espetáculo teatral). Os espectadores não assistem ao carnaval, eles o vivem, uma vez que o carnaval, pela sua própria natureza, existe para todo o povo (BAKHTIN, 1987).


A antropologia social, a psicologia social e a história cultural podem nos dar algumas pistas da popularização do boi.

Qual o sentido do carnaval para o brasileiro?

No carnaval, trocamos o trabalho que castiga o corpo (o velho tripalium ou canga romana que subjugava escravos) pelo uso do corpo como instrumento de beleza e de prazer. No trabalho, estragamos, submetemos e gastamos o corpo. No carnaval, isso também o corre, mas de modo inverso. Aqui, o corpo é gasto pelo prazer.

É a fantasia que permite passar de ninguém a alguém; de marginal do mercado de trabalho a figura mitológica de uma história absolutamente essencial para a criação do momento mágico do carnaval. (DAMATTA, 1996)

Pode-se deduzir que o carnaval é uma fuga da realidade, uma inversão de valores. As pessoas buscam liberdade e prazer, onde, supostamente, tudo pode.

A bebida e a violência são características, muitas vezes repudiadas pelas pessoas, quando sua presença é constatada no carnaval de rua. Contudo, tratam-se de características históricas intrínsecas ao carnaval.

Em Pamplona, crônicas do século XVII e XVIII retratavam a praça de touros e a preocupação com o abuso de consumo de bebidas alcoólicas.

Na verdade, a ênfase na bebida e violência nos tradicionais carnavais europeus, assim como a composição das sociedades carnavalescas (dominadas por jovens adultos do sexo masculino), sugere que se devem interpretar os eventos – entre outras coisas – como rituais para afirmação da masculinidade (BURKE, 2000)

Portanto, o carnaval de rua no Brasil, em algumas localidades, ainda se mantém dominado essencialmente pelos homens, regado à bebida e impregnado de violência, não como características da contemporaneidade, e, sim, como fatores históricos.

(Continua na próxima edição...)

* Renan Arnoni: Bacharel e Licenciado em História- UNESP, Pós-Graduado em "Gestão Cultural - cultura, desenvolvimento e mercado”  e  Analista Comportamental. Coautor do livro “Aspectos Históricos de Porto Ferreira” – volume II (2013); autor do livro História Social e Econômica de Porto Ferreira (2020). Pesquisador Digital Influencer e Produtor Cultural.