Porto Ferreira Ontem – O Bloco do Boi e sua história - II

Divulgado em 20/02/2020 - 19:00 por portoferreirahoje

A ILUSTRE VISITA DO “BOI”

Apoiado por eclética camada racial, o bloco do “Boi” possuiu integrantes das mais variadas classes: operários, trabalhadores diversos, universitários, estudantes, professores, cachaceiros etc. Inúmeros foliões com fantasias de índios, ciganos, odaliscas, mendigos e trajes femininos acompanharam o desfile do admirado símbolo local “Pedrinho Naif”, Irineu Parolo, “Cangebra”, “Macumba”, “Zé Américo”, “Pio”, “Edvur”, “Neguinho”, “Béco”, “Fernando Luiz”, “Julinho”, “ChicãoChiarello”, Salvador Tomaiolo, “Quito Gentil”, “João Bucheiro”, “Mingo Bruno”, “Tota Teixeira”, “Bidé”, Paschoal Bruno, “João Conão”, “Lula Galhardi”, “Jilô”, “Cochiba”, “Cal Costa”, “Mané Tangerino”, Batacline, Antônio Carlos Aguiar, Ormindo Francisco de Oliveira, Austen da Silva Oliveira e muitos outros exibiram seus trajes e seus personagens cômicos.

Os companheiros do “Boi” abriam o caminho: o Porquinho era o primeiro, correndo pelas ruas e afastando as pessoas – o “Pagão” e o “Lolo” ficavam sob esta figura -; na sequência, vinham a Nega Maluca e a Garrafa conduzidas por Carlos Iatauro e Coutinho (Sebastião Ferreira Coutinho, de Rio Claro).

Num município em que praticamente todos se conheciam, haja vista o reduzido número habitacional, o principal bloco de rua se postava como o galante convidado para algumas famílias.

Assim, o “Boi” mantinha uma disputada agenda de encontros. Embora alguns pensem sobre a hipótese do bloco se dispor às visitações, mediante pagamentos em moeda, deve ser registrada, além da consideração comum entre as pessoas, a única doação feita aos componentes, aliás, que sempre os incentivou: a bebida.

Ao sair da chácara dos Malamam, o bloco apresentava “a pega do Boi”, com os toureiros, na casa do “Ico Januário”; depois, partia para outras residências: “Zé Baixo”, João Salgueiro Filho, Mário Borelli Thomaz, Oswaldo Amarú, Perondi Higinio, Joaquim Coelho Filho, etc. Muitas vezes, a saída ocorria na residência da família Malamam.

Os proprietários das casas, dentro das mesmas, ofereciam cervejas e salgadinhos aos principais membros do bloco: a comissão; já para as pessoas que acompanhavam o “Boi” eram servidas batidas de limão e pinga. Havia também outras residências em que o bloco interrompia a brincadeira, a fim de curtir a gratuita bebedeira.

OS BOIEIROS

Para guiar o “Boi”, ou seja, ficar sob sua armação, conduzindo-o em ritmo cadenciado ou agitado ante o empolgado arrebatamento, os boieiros se revezavam. Com o elevado peso da estrutura, não era cômodo aos fracos carregarem o “Boi”. Entre os incontáveis boieiros, durante as décadas de 1940, 1950 e 1960, são identificados: “Zé Pereira”, “Bolão Ribaldo”, “Cangebra”, “Paca”, “Bagre”, Agenor Zuzi, “Pradinho” (Odair), Dorival Braga, “Pedrinho Naif”, Pedrinho Foltran, “Nilson Piolho”, os irmãos Geraldo, Alexandre e Maurício Alves, Modesto Bernardo, “Baton”, Airton Antonini, Claiton dos Santos Leme, além de outros.

Triste acontecimento causou inquietação no pequenino município de Porto Ferreira quando o jovem Alexandre Alves, entusiasmado folião, faleceu repentinamente aos 21 anos. Os relatos orais inventaram caprichosas estórias: há afirmativas de que Alexandre conduzia a armação do “Boi”, e em dado momento, colidiu-a contra um poste; em seguida, o jovem começou a passar mal até sua inesperada morte, um mês depois. Outros, porém, dizem que durante o desfile do bloco, seu estado de saúde se agravou, pelo esforço físico, e uma tuberculose galopante o acometeu, ocasionando seu falecimento dois dias mais tarde. Têm alguns que justificam o choque térmico (calor sob o “Boi”) como origem de seu mal incurável. No entanto, todos esses comentários são boatos criados pelos contos populares, conforme se notam os seguintes esclarecimentos:

Dorival Braga formou com seu primo “Alexo” - apelido de Alexandre -, um par de boieiros responsável pela animação pública do carnaval da década de 1950. Segundo Braga, “Alexo”, já há tempos, sofria de fortes dores estomacais e de problemas de saúde, devido à sua péssima alimentação, justificada pelo excessivo trabalho de motorista de caminhão. Eximindo conjeturas, Dorival relata que seu primo não foi alcoólatra.

Possivelmente, durante o carnaval de 1957, Alexandre se dedicou em demasia à diversão e agravou seu frágil estado de saúde.

Em março daquele mesmo ano, ao regressar do serviço, “Alexo” pediu à sua irmã Jandira que comprasse uma garrafa de Caracu (outrora, algumas bebidas alcoólicas eram utilizadas como remédios caseiros ou fortificantes), a fim de amenizar uma dor latente no estômago. Após bebê-la, foi descansar e instantes depois, começou a passar mal. O socorro veio do amigo Sebastião Ribeiro, o “Peito-de-Pomba”, que levou o jovem, às pressas, ao Hospital Dona Balbina. Jandira, emocionadamente se lembra da última palavra do irmão: “- Mãe...”, olhando para Dona Nena, apelido de Judith Ramos Alves.

A 19 de março de 1957, faleceu aquele divertido rapaz, de altura elevada e de marcante presença nos carnavais, vitimado por úlcera duodenal, hepatite e uremia. Sua morte comoveu significativo número de cidadãos a ponto de reunir muita gente no enterro. O cortejo fúnebre foi seguido por considerada fila de caminhões e passou defronte ao Hospital, a pedido das irmãs de caridade, de onde se avistaram velas acesas sobre os parapeitos. A lembrança está fixada na memória de diversos ferreirenses.

CONTOS DO “BOI”

Na década de 1950, Ervilásio Bragioni acompanhou o “Boi”, conduzindo a figura carnavalesca do cavalinho, e se recorda de uma folgança feita pelos integrantes do bloco:

Em frente da “A Cultural”, na rua cel. Procópio de Carvalho, o bloco estava promovendo a brincadeira, mais ou menos onde hoje está instalado um carrinho de lanche. Após algum tempo, Brunão - apelido de Alberto Bruno -, ex-ferroviário, saiu do Grêmio Ferroviário Ferreirense, e caminhava ao encontro do bloco, pela calçada do Banco Itaú, pretendendo cruzar o aglomerado humano.

Com a devida precaução e olhos atentos à imponente figura, o munícipe se aproximou da massa popular, sendo avistado pelos boieiros, os quais investiram em sua direção. No mesmo momento, Brunão retornou, ligeiramente, pelo caminho percorrido, sendo perseguido pelo “Boi” até a frente da casa do professor João Teixeira. Da esquina, onde está o restaurante Gerola, o ferroviário protestava, enquanto as pessoas riam. Contudo, os astutos integrantes do bloco resolveram, mais uma vez, atormentar o conhecido Alberto Bruno.

Novamente, postando-se nas proximidades da esquina das ruas cel. Procópio de Carvalho e Dona Balbina, os boieiros viraram o “Boi”, com a dianteira voltada para a Praça Cornélio Procópio, a fim de permitir a nova caminhada de “Brunão”, cuja permanência ainda se mantinha na outra esquina. No entanto, os brincalhões somente giraram a estrutura e se conservaram de costas para a cabeça do “Boi”, observando a vinda de “Brunão”. Sabendo que o “Boi” não corria pela traseira, o ferroviário, com cautela, retomou o percurso, aproximando-se da destacada figura.

Chegando perto dos foliões, para sua surpresa, eis que de repente o “Boi” começa a correr de costas em sua direção. Imediatamente, “Brunão” deu um pinote e saiu em disparada, pela calçada, praguejando, até a esquina do atual Gerola. Os acompanhantes do bloco, com a cena espirituosa, mal se continham com a diversão instaurada...

Quito Gentil, criador de fantasias memoráveis do carnaval, certa vez organizou e coordenou o bloco do “Boi”, acompanhando-o durante as exibições pelas ruas da cidade. Numa das noites, o povo se divertia com “a pega do Boi”, em frente do empório de secos e molhados da família Giraldelli. De repente, a destacada figura foi de encontro a um grupo de pessoas que se amontoou e acabou derrubando, por completo, o muro de um terreno localizado na rua Cel. João Procópio, nº 538. A farra acabou naquela noite. No dia posterior, Quito Gentil foi procurado como o responsável pelos danos do imóvel. Contatou a Prefeitura Municipal e os obreiros repararam o estrago.

OBSERVAÇÕES

Por meio dos dois artigos sobre o “Bloco do Boi”, procurei relatar, resumidamente, as características, as origens e as particularidades da tradicional brincadeira. Restringi-me a uma superficial pesquisa compreendendo o início do bloco e as décadas de 1940, 1950 e parte de 1960. Sem dúvida, muitos nomes de participantes e de acompanhantes foram esquecidos, pois a consulta dos artigos, além da escassa escrita, baseia-se na oralidade. De certo modo, o assunto é extenso e requer demasiada documentação, assim como análise consensual das narrações verbais. Retomarei o assunto, com novos detalhes, em futuras publicações.

Por Miguel Bragioni - Pesquisador da história de Porto Ferreira

* artigo extraído do capítulo 8do livro Aspectos Históricos de Porto Ferreira, Vol. 1.

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Fotos:

1) “Boi”, meados de 1960, acervo do professor Neguinho;

2) Bloco do “Boi”, acervo da família de Nilson Malamam;

3) Alexandre Alves, 1954, acervo de Jandira Alves;

4) Mário dos Santos Leme (Mário Soldado) e Florisbelo José David entre o “Boi Chitinha”, acervo do Museu Histórico e Pedagógico “Prof. Flávio da Silva Oliveira”.