Porto Ferreira Ontem – Zé Carreiro e uma música ferreirense

Divulgado em 23/05/2019 - 18:00 por portoferreirahoje

Há menos de uma semana, a Prefeitura Municipal, através da Secretaria de Cultura, promoveu o Festival Zé Carreiro, destinado à valorização musical do gênero caipira/ sertanejo. A história do evento será tratada em futura ocasião, porém o homenageado não pode passar despercebido.

Nas ruas de terra, com as opções de engaiolar ou caçar passarinhos, que partiam em revoada, nadar nos ribeirões Bonito e Santa Rosa, pescar no Moji e apanhar frutas dos pomares de sítios ou até mesmo de casas, hoje na área central, a garotada das décadas 1920 e 1930 não perdia tempo.

Este era o contexto onde vivia Lucinho, pertencente a uma família de trabalhadores simples, com uma escadinha de irmãos, e que morava na Rua Francisco Prado, nas proximidades da esquina com a Rua João Procópio Sobrinho. A música, a maior de suas predileções, era ouvida no repique da viola dos catireirosnas festas juninas ou dedicadas ao Padroeiro São Sebastião, além do rádio, que divulgava as novidades do cantor das multidões, Orlando Silva, aparentemente, o ídolo do jovem.

Durante a adolescência, trabalhou na Cerâmica Porto Ferreira. A família, pouco tempo depois, mudou-se da cidade, mas nunca perdeu o vínculo com seus parentes e amigos.

Para surpresa de todos, no segundo semestre de 1950, a população ferreirense identificou um nome familiar num disco de 78 rotações, contendo um cururu interpretado pela renomada dupla Tonico & Tinoco. “Canoeiro” parecia ressoar a voz do rio e das matas de Porto Ferreira.  A informação do reconhecimento de Zé Carreiro, o compositor, e em poucos meses aparecendo em gravação própria na companhia de Carreirinho (Adauto Ezequiel), sob pleno sucesso, teve repercussão nas rodas dos violeiros e dos apreciadores da pequena cidade, trazendo orgulho.

O município do balseiro não passou despercebido de seus registros discográficos. Com a ascensão de Lucinho no cenário dos artistas do rádio, o 4º disco da carreira, gravado em dezembro de 1950 e lançado somente em setembro do ano seguinte, trazia no lado B a toada “Burro Selvagem” – os discos de 78 rpm só possuíam uma música de cada lado. Em conversa que tive com Orestes Rocha há mais de uma década, soube que Zé Carreiro chegou entusiasmado à casa do fazendeiro João Salgueiro Filho, incentivador dos intérpretes da música raiz em suas festas populares, e disse a ele sobre uma homenagem que fizera. Colocou o disco na vitrola e Salgueiro ouviu a toada, portadora dos seguintes versos:

                                                  “Fazenda Moji Guaçu é um lindo jardim de flor

                                                   Fazendeiro João Sargueiro é o rei dos criador

                                                   Veio uma tropa servagem o Sargueiro preparou

                                                   Um burrão de qualidade que quatro pião matou

                                                   Quando eu vim de Mato Grosso minha fama esparramou

                                                   Lá na minha redondeza por eu ser adomador

                                                   Sargueiro soube a notícia, na fazenda me chamou

                                                   Pra montar nesse burrão que ninguém nunca amançou.

 

                                                   Eu cheguei lá na Fazenda o Sargueiro me falou:

                                                    - Se você amançar esse burro, de presente eu te dou.

                                                   - Esse burro é criminoso, é o rei dos pulado.

                                                    - Aqui nessa redondeza pião nunca encontrou.

                                                  Trusse o burro na mangueira, o Sargueiro que arriou.

                                                  O povo da redondeza ali tudo se ajuntou.

                                                  Eu muntei nesse burrão, o bicho desembestou.

                                                  Corte o burro de espora que o povo se admirou.

 

                                                  Em prazo de duas horas esse burro se entregou.

                                                  Dentro de Porto Ferreira minha fama redobrou.

                                                  Salgueiro disse pra mim: - leve o burro que ganhou.

                                                  Despedi e vim-me embora, minha fama lá ficou.”

 

E assim, pela primeira vez, Porto Ferreira e um de seus filhos pródigos, João Salgueiro Filho, inscreveram seus nomes na comercial fonografia brasileira. Existem outras composições de Carreiro levadas ao disco que fazem referência à terra do balseiro, porém serão tratadas em momento oportuno.

Lúcio Rodrigues de Souza, o Zé Carreiro, que nasceu em 24 de dezembro de 1922 numa fazenda localizada entre os municípios de Santa Rita do Passa Quatro e Porto Ferreira, sendo batizado nesta cidade, faleceu a 21 de maio de 1970. Em sua homenagem, temos uma rua de um quarteirão e a realização anual do festival. Seu nome está no repertório de inúmeros cantadores espalhados por todo o país.

 

Por Miguel Bragioni - Pesquisador da história de Porto Ferreira